“NO RIO DE JANEIRO A MILÍCIA NÃO É UM PODER PARALELO. É O ESTADO”

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(Foto: Privada)

JOSÉ CLÁUDIO SOUZA ALVES

Sociólogo e ex-pró-reitor de Extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), José Cláudio estuda as milícias há 26 anos. É o autor do livro “Dos Barões ao extermínio: a história da violência na Baixada Fluminense”. Em entrevista com a agência brasileira de jornalismo investigativo Agência Pública, ele explica a origem desses grupos e suas ligações com a política


 

Como nasceram as milícias do Rio de Janeiro?

Isso estourou na época da ditadura militar com muita força. Em 1967 surge a Polícia Militar nos moldes atuais de força ostensiva e auxiliar aos militares naquela época. E a partir daí há o surgimento dos esquadrões da morte. No final dos anos 1960, as milícias surgiram como grupos de extermínio compostos por Policiais Militares e outros agentes de segurança que atuavam como matadores de aluguel.

Esses esquadrões da morte vão estar funcionando a pleno vapor nos anos 1970. Depois começa a surgir a atuação de civis como lideranças de grupos de extermínio, mas sempre em uma relação com os agentes do Estado. Isso ao longo dos anos 1980. Com a democracia, esses mesmos matadores dos anos 1980 começam a se eleger nos anos 1990. Se elegem prefeitos, vereadores, deputados.

De 1995 até 2000, você tem o protótipo do que seriam as milícias na Baixada, Zona Oeste e no Rio de Janeiro. Elas estão associadas a ocupações urbanas de terras. São lideranças que estão emergindo dessas ocupações e estão ligadas diretamente à questão das terras na Baixada Fluminense. A partir dos anos 2000, esses milicianos já estão se constituindo como são hoje. São Policiais Militares, Policiais Civis, bombeiros, agentes de segurança, e atuam em áreas onde antes tinha a presença do tráfico, em uma relação de confronto com o tráfico. Mas ao mesmo tempo estabelecem uma estrutura de poder calcado na cobrança de taxas, na venda de serviços e bens urbanos como água, aterro, terrenos.

Há apoio da população às milícias?

A milícia surge com o discurso que veio para se contrapor ao tráfico. E esse discurso ainda cola. Só que com o tempo a população vai vendo que quem se contrapõe a eles, eles matam. E eles passam a controlar os vários comércios. Então a população já começa a ficar assustada e já não apoia tanto. É sempre assim a história das milícias.

Qual a história de Rio das Pedras?

Rio das Pedras é uma comunidade em expansão onde vivem nordestinos muito pobres. Existem terrenos lá que você não pode construir porque são inadequados, são muito movediços. Então só tem uma faixa específica de terra onde você pode construir. São terras irregulares, devolutas da União, ou terras de particulares que não conseguiram se manter naquele espaço. Então a milícia passa a controlar, toma e legaliza – às vezes até via Prefeitura mesmo, pagando IPTU desses imóveis. Como o sistema fundiário não é regulado, facilmente os milicianos têm acesso a informações e vão tomar essas áreas. E passam a vendê-las.

Rio das Pedras foi a primeira milícia do Rio?

Não é bem assim. Ao meu ver a milícia surgiu em diferentes lugares ao mesmo tempo, simultaneamente. Então tem Rio das Pedras, mas tem Zona Oeste do Rio e tem, por exemplo, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Eu percebo dos anos 1995 a 2000, grosso modo, um período de emergência dessas ocupações urbanas de terras, ainda não no protótipo de milícias, mas com lideranças comunitárias próximas ao que seria um controle pela violência, um controle político mais autoritário.

Só que Rio das Pedras ela emerge mais rapidamente. Então ali começa esse vínculo da cobrança de taxa, que nas outras ainda não tinha. E são os comerciantes que pagam a eles.

É uma comunidade miserável, empobrecida, que está se constituindo a partir de uma rede migratória de nordestinos. E ela fica diante de um grupo de milicianos que estão sendo chamados para dar proteção, impedir que o tráfico entre. Mas na verdade é para proteger os interesses comerciais desses lojistas que estão se instalado lá em Rio das Pedras e estão financiando esses caras.

Hoje são quantas as milícias do Rio de Janeiro?

Eu tenho noção que são muitas. Por exemplo, são várias que atuam em São Bento e no Pilar, que é o segundo maior distrito de Duque de Caxias. Tem em Nova Iguaçu, tem em Queimada. Praticamente cada município da Baixada Fluminense você tem a presença de milícias. Seropédica, por exemplo, hoje é uma cidade dominada por milicianos. Eles controlam taxas de segurança que cobram do comércio. Aqui tem os areais, de onde se extrai muita areia – e muitos são clandestinos. Então eles também cobram dali. Moto-táxi tem que pagar 80 reais por semana para funcionar. Pipoqueiro paga 50 reais por semana. É uma loucura.

Dizem que é para a segurança, proteção, eles estão supostamente protegendo esse comércio. Mas depois controlam a distribuição de água, de gás, de cigarro, de bebida. E há histórias de assassinato de gente que não aceitou, por exemplo.

Além disso, eles são pagos para fazer execuções sumárias. Então há um mercado que movimenta milhões já há algum tempo.

Eles também lidam com tráfico de drogas, com algumas facções especificas. O Terceiro Comando Puro funciona aqui em algumas cidades da baixada a partir de acordos com milicianos. Eles fazem acordo com o tráfico e vão ganhar dinheiro também disso. Cobram aluguel de áreas. É a mesma relação que a polícia tem com o tráfico: só funciona ali se você pagar suborno.

Na cobertura feita pelos jornais sobre a operação “Os Intocáveis”, eles citam o Escritório da Morte, um grupo de extermínio que é contratado para matar. Isso é comum?

Sim. Nunca ouvi falar de milícia que não tivesse a prática de execução sumária. Normalmente a milícia tem uma equipe ou um grupo responsável por execuções sumárias. O comerciante que não quiser pagar, o morador que não se sujeitar a pagamento do imóvel que ele comprou, qualquer negócio e discordância com os interesses da milícia, esse braço armado é acionado e vai matar.

A novidade da milícia é o leque de serviços que eles abrem além da execução sumária e da segurança. Aí é tudo: água, bujão de gás, “gatonet”, transporte clandestino de pessoas, terra, terrenos, imóveis. A milícia não fica agora fixa em grandes comerciantes ou grandes empresários. Ela pulveriza isso. Eles vão sofisticando também na administração do gerenciamento.

Em que outros negócios ilegais os milicianos atuam?

Lá em Duque de Caxias eles roubam petróleo dos oleodutos da Petrobras e fazem mini destilarias nas casas das pessoas. Tudo ilegal, com um risco imenso. Aí vendem combustível adulterado. Eles fazem aterros clandestinos no meio daquela região com dragas e tratores e vão enterrando o lixo de quem pagar. É mil reais por caminhão. Não importa a origem. Pode ser lixo contaminante, lixo industrial, lixo hospitalar. Eles fazem aterros clandestinos nesta região.

A milícia tem controle também sobre bens públicos, como aterros, e eles se apropriam desses espaços para fazer atividades ilegais…

A base de uma milícia é o controle militarizado de áreas geográficas. Então o espaço urbano, em si se transforma em uma fonte de ganho. Se você controla militarmente, com armas por meio da violência esse espaço urbano, você vai então ganhar dinheiro com esse espaço urbano. De que maneira? Você vende imóveis. Por exemplo, você tem um programa do governo federal chamado Minha Casa Minha Vida. Você constrói habitações. Aí a milícia vai e controla militarmente aquela área e vai determinar quem é que vai ocupar a casa. E inclusive vai cobrar taxa desses moradores.

Em outra área eles estão vendendo imóveis e estão ganhando dinheiro com essa terra, que é terra da União ou terra de particulares. Então esse controle militarizado desses espaços, é a base da milícia. Aí como eles sabem dessas informações? Eles sabem dentro da estrutura do Estado.

Você pode ter um respaldo político para fazer isso. Vou dar um exemplo para você. Em Duque de Caxias, um número razoável de escolas públicas não é abastecido pelo sistema de água da CEDAE. A água não chega lá. Como que essas escolas funcionam? Elas compram caminhões pipa de água. Quem é o vendedor? Quem é que ganhou a licitação para distribuição de água em um preço absurdo por meio desses caminhões pipa? Gente ligado aos milicianos. Então aí você tem um vínculo com os serviços públicos – e é uma grana pesada – e que passa pelo interesse político daquele grupo dentro daquela prefeitura que vai se beneficiar de uma informação e vai ganhar dinheiro com isso.

A Baixada e o Rio de Janeiro são grandes laboratórios de ilicitudes e de ilegalidades que se associam para fortalecer uma estrutura de poder político, econômico, cultural, geograficamente estabelecido e calcado na violência, no controle armado.

A milícia surgiu no Rio de Janeiro pela ausência do Estado?

Há uma continuidade do Estado. O matador se elege, o miliciano se elege. Ele tem relações diretas com o Estado. Ele é o agente do Estado. Ele é o Estado. Então não me venha falar que existe uma ausência de Estado. É o Estado que determina quem vai operar o controle militarizado e a segurança daquela área. Porque são os próprios agentes do Estado. É um matador, é um miliciano que é deputado, que é vereador, é um miliciano que é Secretário de Meio Ambiente.

Eu sempre digo: não use isso porque não é poder paralelo. É o poder do próprio Estado.

Eu estou falando de um Estado que avança em operações ilegais e se torna mais poderoso do que ele é na esfera legal. Porque ele vai agora determinar sobre a sua vida de uma forma totalitária. E você não consegue se contrapor a ela.


Quem mandou o vizinho do presidente matar Marielle? As milícias são os principais suspeitos (Foto: Mídia Ninja)

Mas, por outro lado, quem elege os políticos milicianos é a população….

Não venha dizer que o morador é conivente, é cúmplice do crime. Esse pessoal elegeu o Flávio Bolsonaro, que agora se descobriu que ele tem possivelmente vínculos com esses grupos? Elegeu. Mas que condições que essas pessoas vivem para chegar nisso? Essas populações são submetidas a condições de miséria, de pobreza e de violência que se impõem sobre elas.

Cinco décadas de grupo de extermínio resultaram em 70% de votação em Bolsonaro na Baixada.

Três gestões do PT no governo federal, 14 anos no poder, não arranharam essa estrutura. Deram Bolsa Família, vários grupos políticos se vincularam ao PT e se beneficiaram, mas o PT não alterou em nada essa estrutura. O PT fez aliança eleitoral, buscou apoio desses grupos.

Como você mencionou a história do Flávio Bolsonaro: o que liga o gabinete de um político a um miliciano, como foi no caso dele com a mãe e a esposa do Adriano Magalhães da Nóbrega?

O discurso da família Bolsonaro, a começar pelo pai já há algum tempo, e posteriormente o pai projetando nos filhos politicamente. Eles são os herdeiros do discurso de um delegado Sivuca [José Guilherme Godinho Sivuca Ferreira, eleito deputado federal pelo PFL em 1990], que é o cara que que cunhou a expressão “Bandido bom é bandido morto”, de um Emir Larangeira [eleito deputado estadual em 1990], do pessoal da velha guarda, do braço político dos grupos de extermínio.

Esse discurso se perpetuou e se consolidou. É claro que os milicianos vão respaldar esse discurso e vão se fortalecer a partir dele. É o plano de segurança pública defendida na campanha eleitoral do Bolsonaro. Ele diz o seguinte: Policiais Militares são os heróis da nação. Policial Militar tem que ser apoiado, respaldado, vai ganhar placa de herói.

E será respaldado pela lei, através do excludente de ilicitude. Está lá no programa do Bolsonaro. Então você tem setores que desde a ditadura militar sempre operaram na ilegalidade, na execução sumária, vão escutar esse discurso. É música para o ouvido deles.

Não é à toa que o Flávio Bolsonaro fez menções na Assembleia legislativa, deu honrarias para dois desses milicianos presos.

Para além desse discurso simbólico, você vê também uma ligação financeira dos milicianos com os políticos?

Você tem uma operação por dentro da estrutura oficial política. Por exemplo, em Duque de Caxias você tem registro geral de imóveis de terras que são da União. Tem milicianos que vão levantar no cadastro geral de imóveis da prefeitura, os imóveis que estão irregulares, sem pagamento há muito tempo de IPTU. Esse miliciano começa a pagar o IPTU, parcela a dívida, quita e pede para transferir para o nome dele aquele imóvel. A prefeitura transfere. É um processo simples isso. Aí depois aquele proprietário não vai ter nunca coragem de exigir aquele imóvel de volta, porque está controlado militarmente.

Sem esses elementos, sem esses indivíduos, sem essa conexão direta com a estrutura do Estado, não haveria milícia na atuação que ela tem hoje. É determinante. Por isso que eu digo, que não é paralelo, é o Estado.

E tem políticos que estão sendo eleitos com essa grana. A grana da milícia vai financiar o poder de um político como Flávio Bolsonaro e o poder político de um Flávio Bolsonaro vai favorecer o ganho de dinheiro do miliciano. Isso roda em duas mãos. É determinante então que essa estrutura seja assim. Ela só se perpetua porque é assim.

É comum casos como a mãe e a esposa de Adriano Magalhães de Nóbrega, que foram contratadas como assessoras no gabinete de Flávio Bolsonaro?

Sim. Isso é muito comum. Você cria um vínculo de poder e de grana com essas pessoas. Esse cara, a partir de sua esposa e de sua mãe, cria um vínculo imediato com o Flávio Bolsonaro e isso lhe dá força. Essas duas pessoas estão fazendo um elo imediato, pessoal, familiar do Adriano com Flávio Bolsonaro. Esse vínculo lhe dá poder naquela comunidade. Ele vai ser chamado agora na comunidade “Olha é o cara que tem um poder junto lá ao Deputado, qualquer coisa a gente resolve, fala com ele, que ele fala com a mãe e com a esposa e eles falam diretamente com o Flávio e isso é resolvido”.

Assim você está criando uma estrutura de poder que é familiar. Veja bem: é o que eles defendem. Eles [os Bolsonaro] defendem a estrutura familiar. E se você investigar um pouco mais vai ser religioso também. São igrejas evangélicas, eles têm vínculo com essa estrutura. Então é uma estrutura perfeita, ela é tradicional, conservadora, ela tem a linguagem religiosa, que é linguagem de grande credibilidade.

Isso também demonstra uma forma de atuar dessas pessoas. Eles não atuam pelo ocultamento. O Adriano, Flávio Bolsonaro, o próprio Bolsonaro, os matadores da Baixada. Todos esses grupos que lidam com a violência, com a execução sumária, com o crime organizado, eles não atuam com baixo perfil.

No Brasil o que você tem é a superexposição. Eu chego e já digo. “Eu sou o cara, eu sou o matador, eu tenho vínculos com fulano, beltrano e sicrano. Eu ocupo este cargo”. Que é pra deixar bem claro se você for tentar alguma coisa é isso que você vai enfrentar.

É a base total do medo. E não é só do medo: é real.

Sobre esse capital político, eles têm o poder inclusive de manipular o voto da população durante o período das eleições? Existe uma rede organizada para isso?

Na verdade, as milícias vendem votações inteiras de comunidade. Aqui na Baixada como um todo, Zona Oeste. Fecham pacote. Eles têm controle. Eles têm controle preciso de título de eleitor, local de votação de cada título de eleitor, quantos votos vai ter ali. Eles são capazes de identificar quem não votou neles.

Mas não está havendo ações de desmontagem dessa estrutura, como se viu em Rio das Pedras?

Assim, a Operação Intocáveis pode estar dentro de um perfil mais de uma operação mais histórica. Mas eu tenho sido muito crítico a esse tipo de operação. Como a milícia é uma rede, uma rede muito grande, para cada um preso você tem 100 para entrar no lugar. Porque se você mantém a estrutura funcionando, economicamente, politicamente ela vai se perpetuar.

Ninguém toca nesses caras. Em geral, só estão tocando no tráfico. E tráfico não é o mais poderoso. Milícia é mais poderosa do que o tráfico. Milícia se elege, tráfico não se elege. A base econômica da milícia está em expansão, não é tocada, não é arranhada. Traficante não, vive morrendo e sendo morto e matando. Milícia é o Estado.

Inclusive tem isso. Você olha para a cara dos milicianos presos, há uma tendência a serem brancos. Não há uma tendência a serem negros. Vai aparecer um ou outro no meio, um moreno, pardo. E não são magros, são bem alimentados. Eu tenho certeza que a classe à qual pertencem os milicianos é uma classe diferenciada da classe do tráfico. Não são tão pobres assim. Não são tão negros assim. Não são tão periféricos assim.

Para além desse vínculo político de poder existe também algum elo financeiro? Como que os milicianos movimentam dinheiro através dessas conexões com políticos? Qual era, por exemplo, o papel do Queiroz ali no Gabinete do Flávio Bolsonaro?

Ah sim, você viu que ele tem uma movimentação suspeita alta. Tem 7 milhões. Aí você vai por dedução. Pode ser que esse cara fazia uma ponte. Ele era um assessor, mas ao mesmo tempo ele cumpria duas funções. Ele ganha um respaldo político do Flávio Bolsonaro. Ele faz o elo direito da milícia com esse gabinete. Dos interesses dessa milícia e dos que são servidos por essa milícia direito com esse gabinete. Ao mesmo tempo ele cresce na estrutura da milícia.

Não sei qual é o histórico dele. Mas de repente ele já estava na estrutura da milícia e já movimentando dinheiro. Então, por exemplo, se ele for uma frente, um cara que está na organização, por exemplo, de cobrança de taxa de segurança, ele está movimentando dinheiro. Muito dinheiro. Aí de repente ele vai movimentar parte desse dinheiro dentro da sua conta pessoal. É uma estrutura de organização que ele criou. Então esses 7 milhões pode ser isso.

Isso também pode ser apenas uma transação entre várias?

Isso é uma ponta. Isso é uma ponta de um iceberg. O que eu gostaria muito é que se investigasse isso. Você chegaria em algo muito maior.

Sobre o caso da Marielle. O caso voltou aos holofotes essa semana porque os milicianos, que foram presos na operação “Os Intocáveis” integravam o Escritório do Crime, grupo suspeito de envolvimento na morte da Marielle. No final do ano passado, o secretário de Segurança Pública do Rio, Richard Nunes, afirmou que o assassinato teria relação com grilagem de terras. Você acha que a morte dela se deu porque ela atrapalhava os negócios dos milicianos?

Tem dois vínculos. Há esse vínculo de incomodar e prejudicar o interesse deles. Ela tinha poder para prejudicar, puxar uma CPI, exigir uma investigação para obrigar o Estado e a mídia como um todo a se voltar para isso. Se ela reproduzisse o que o Marcelo Freixo fez em 2008, dentro da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, ela daria essa expressão. Ela tinha o respaldo do Marcelo, então há uma base política que sustenta Marielle, uma base não comprometida, não vendida. Então ela é uma figura que ameaça.

E o outro elemento é ela ser mulher. E ela ser uma mulher de uma atuação bastante intensa, verdadeira e não amedrontável. Ela encarava, enfrentava. Ela nunca se subordinou. E eles não suportam mulheres com esse perfil, essa é a verdade.

Marielle Franco, Patrícia Acioli, que foi assassinada também, e Tânia Maria Sales Moreira que foi promotora aqui em Duque de Caxias que era jurada de morte, mas morreu de câncer. Essas três, elas têm esse perfil. São mulheres com muita coragem, muita determinação, muita verdade do lado delas, elas não se subordinam, não se submetem. Esse tipo de mulher esses caras não suportam. Eles vão eliminar. Há uma misoginia total aí que eles não aceitam que qualquer mulher os trate assim.

Desde o início eu cantei a pedra: quem matou são grupos de extermínio e estão muito associados a milicianos. É a prática desses grupos.

 

DON LEO NO QUIERE SER NARCO

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De vuelta en su mundo Don Leo (Foto: Lorena Schwab De La O)

 

“Nací en 1953 en la región del Chocó. De niño fui a la escuela sólo por unos meses, lo suficiente para aprender a leer y escribir. Cuando tenía nueve años, mi familia me envió a un cafetal. Los dueños de la finca, a quienes los niños llamábamos nuestros ‘abuelos’, nos acogieron como parte de su familia. Este afecto alivió nuestra pobreza.

En 1975 una helada en la región brasileña de Paraná, donde se producían las mayores cantidades de café del mundo, destruyó miles de plantas de café. Colombia, que antes era el segundo productor de café del mundo, se convirtió en el número uno. En Brasil este evento fue llamado “helada negra”, mientras que el gobierno colombiano la denominó “helada santa”. El valor de la libra de café en Colombia aumentó de 70 centavos a cuatro dólares estadounidenses en 1976 y 1977. Este precio exorbitante hizo a los propietarios de las fincas cada vez más ricos y, sin embargo, a los recolectores de café se nos seguía pagando el mismo miserable salario diario que antes del aumento del precio del café.

Temiendo a la guerrilla y a la violencia que se avecinaba, los ‘abuelos’ empezaron a vender sus fincas a bajo precio o a abandonarlas si ya nadie quería pagar por ellas. En ese momento aparecieron nuevos propietarios que compraron las fincas y pagaron a la guerrilla el precio de la extorción. Cuando compraban una finca, derribaban las modestas pero cómodas casas y construían nuevas casas grandes y hermosas. Luego compraban otra finca y hacían lo mismo. Cuando compraban ocho o diez parcelas de tierra, las llamaban hacienda.

Lo que pasó entonces nos hirió en el alma, hirió nuestros sentimientos y nuestro orgullo como campesinos. Comenzó una discriminación social a la que no estábamos acostumbrados desde nuestra infancia. Los dueños aseguraron las grandes casas con cercas eléctricas para que no pudiéramos acercarnos a ellas y trajeron cosas como piscinas y saunas que ni siquiera sabíamos pronunciar.

Injusticia de todos lados

Los hábitos de los ‘abuelos’ de acogernos como familia y darnos la misma comida que a sus hijos se perdieron en las nuevas haciendas. Las noches se volvían traumáticas, porque estábamos alojados en barracas donde dormían hasta 200 trabajadores en el suelo de manera inhumana. Para hacer nuestras necesidades teníamos que ir a los cafetales y nos bañarnos en los arroyos porque no había ni siquiera sanitarios para nosotros. Durante este tiempo veíamos que para los dueños de la hacienda los perros eran más importantes que nosotros, los recolectores de café. Por esta injusticia, maldecía mi vida como recolector de café y rezaba en las noches para que Dios me diera mi propia finca algún día, siempre y cuando tuviera  la suerte de no ser asesinado por la guerrilla, los paramilitares o los militares. De esta manera podría mostrar a los dueños de las haciendas en Colombia que no es necesario humillar a los trabajadores, herir sus sentimientos o mantenerlos como esclavos para administrar una finca.

Las injusticias nos convirtieron en nómadas. En 1980 me trasladé a la Sierra Nevada en Santa Marta, donde me dijeron que había mucho café y que como recolector ganaría muy bien. Pero cuando llegué, me di cuenta de que todo era un fraude, porque no había café, sino enormes campos de marihuana. No tenía dinero para volver, comprar comida o pagar una habitación para dormir, así que me vi obligado a pedir trabajo en los campos de marihuana y quedarme allí. Resultó que aunque el trabajo era duro, ganábamos tres o cuatro veces más que como recolectores de café.

En lugar de café, campos de marihuana hasta donde desaparece el horizonte

La vida campesina en el mundo de la marihuana no es agradable. Es injusta y dura, pero nadie es superior a otro. Todos, desde el dueño de la plantación hasta el más humilde trabajador, comen la misma comida y duermen en las mismas camas, así que no se siente la discriminación. Sin embargo, en Sierra Nevada, la violencia llegó con gran brutalidad, ya que había tráfico de drogas. De nuevo tuvimos que huir y en 1984 llegué a una enorme plantación en la frontera con Brasil para recoger hojas de coca. No conocía esta planta todavía, pero oí a los trabajadores hablar el primer día de un supuesto laboratorio. Me dio curiosidad y pedí permiso para ver el laboratorio. Allí vi a un anciano llamado Don Vicente sentado en un tronco de un árbol para procesar las hojas de coca. Pensé que parecía muy simple y me dije que un día yo también llegaría a ser químico. Así que todos los días después del trabajo me sentaba cerca del laboratorio, sólo para ver cómo el viejo procesaba las hojas de coca. A los cuatro días me di cuenta que Don Vicente ya no tenía la precisión de un químico, porque le temblaban las manos al mezclar los productos. A través de mi experiencia como campesino, noté inmediatamente que tenía malaria.

Mi entusiasmo creció cada día, esperando poder reemplazar a este hombre en su trabajo. Después de unos días me llamó para pedir ayuda y en ese momento me convertí en la persona que había detestado toda mi vida: en un oportunista. Ya no me interesaba la enfermedad del hombre, sólo quería que me enseñara todo lo que yo necesitaba saber. Tuvo que hacerlo, porque los narcos no permiten errores. Doce días después, ya era un experto y podía manipular toda la porquería que se necesitaba para producir ese veneno.

Después de dos meses de trabajo, nos mandaron a casa del dueño y nos dieron nuestro sueldo. Cuando tenía el dinero en la mano casi me caigo de la alegría. Era tanto dinero para mí que sentí que había ganado la lotería. Me sentía grande e importante y empecé a tratar a mis colegas desde arriba, como los narcos cuando ganan mucho dinero. Después de dos o tres horas – estaba acostado en mi hamaca y ya tenía la cabeza más fresca – me empezó a pesar la conciencia por todo lo que había hecho. Me di cuenta que debido a mi trabajo en las montañas, miles de familias estaban pasando por el peor infierno sin tener un futuro para sus hijos. También pensé en mi hijo, quien tenía sólo unos meses de edad y cuya vida algún día también podría ser envenenada por una persona despiadada, como yo lo hice con muchas familias.

Valentía para escapar del infierno

Después de unos minutos, Dios me dio la valentía de decidirme a escapar de ese infierno sin temer las consecuencias. Existía el peligro de ser tragado vivo por la selva o de ser encontrado y asesinado por los narcos, porque para ellos escapar es el mayor fraude. Así que a las once o doce de la noche, no puedo recordar la hora exacta, tomé la decisión de huir. Fue una caminata de cuatro días a través de la selva tropical hasta que llegué al primer pueblo. Allí pude comer, beber, dormir y comprar medicinas. Incluso mi cabeza estaba hinchada por las picaduras de los insectos y me había infectado con malaria.

Llegué a donde estaba mi familia y con el dinero que gané compramos todo lo que nunca habíamos tenido: un televisor, muebles para la sala de estar  y otras cosas. Con el resto del dinero compramos una pequeña tienda que creció constantemente a lo largo de los años. En el 2009 ya tenía dos coches, varias tiendas y terrenos. Pero no era feliz, porque este no era mi mundo. Mi mundo siempre han sido las montañas, los campos y los campesinos. Los veía pasar todos los días, cargados de la humillación de la que yo me había librado con gran esfuerzo.

Asique un día le dije a mi esposa y a mi hijo que era hora de vender todo y volver a las montañas. Quería comprar una finca para realizar mi sueño tan ansiado. Estuvieron de acuerdo y vendimos todo excepto un pequeño coche para que mi hijo pudiera ir a la universidad a estudiar. Luego compré una finca completamente abandonada, de la época de la violencia, con una casa venida abajo. Hice lo mismo que los dueños de la hacienda en ese entonces: derribé la casa y en su lugar construí una casa  grande y hermosa con muchas habitaciones y baños. Quería que el trabajador más humilde de la finca comiera la misma comida que mi hijo, durmiera en las mismas camas y tuviera un salario decente. Y lo más importante, que este trabajador fuera valorado como un ser humano y no tratado como una máquina de producción, como yo lo había vivido en mi juventud.”

 

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